6.5.18

A vida e o devir

Isso e todas as coisas começaram como nada, latentes no interior de um vasto caldo de energia, mas depois demos-lhe um nome, e amámo-las, e, deste modo, trouxemo-las ao de cima.
E agora temos de as perder.
Envio-vos isto, queridos amigos, antes de me ir, neste instantâneo transbordar de pensamentos, de um lugar onde o tempo abranda e depois pára e nós podemos viver para sempre num único instante. 
Adeus adeus ade...

George Saunders, Lincoln no bardo


Experimenta-se e alguma coisa começa. Não imaginávamos o que poderia ser nem nunca o pedimos a ninguém. Mas depois não se sabe o que fazer com isso a que demos um nome. O tempo é o lugar das escolhas, das possibilidades. Parar num único instante é sossego do espectador, do idólatra do permanente. Nunca nos pode ser subtraído o que nunca nos foi dado por garantido. É lenta a aprendizagem da perda, nunca consumada. Só aí existe corpo, só aí existe tempo. Continuar a lançar-se mesmo que o mar continue a clamar por figos. 

Pensou Lincoln: "Quer dizer, o filho dele não estava mais aqui do que em qualquer outra parte. Este lugar não tinha, doravante, nada de especial".

A aceitação de Lincoln: o filho não estava ali, mas em qualquer outra parte, porque só provisoriamente somos espaço em movimento e temos tempo. Os vivos insistem em tratar os mortos como vivos, o que, em alguns casos, esconde a dificuldade em aceitar a despossessão, em compreender o ludíbrio metafísico: nada se possui que não seja na eternidade, no tempo perde-se.


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