19.1.18

A esperança é fraca ceia

No Inverno acorda-se nesta cidade, principalmente ao domingo, ao som dos seus inúmeros sinos, como se para lá das nossas cortinas de tule vibrasse um gigantesco serviço de chá de porcelana, sobre uma bandeja de prata, no céu cinzento-pérola. Abrimos a janela num gesto largo, e o quarto fica instantaneamente inundado desta névoa exterior, carregada de repiques, feita em parte de oxigénio húmido, em parte de café e preces. Por muitos e por mais variados comprimidos que tenhas que tomar essa manhã, sentimos que ainda não está tudo perdido. Pela mesma razão, por muito autónomos que sejamos, por mais que tenhamos sido traídos, por rigoroso e desanimador que seja o conhecimento que temos de nós próprios, confiamos em que ainda haja para nós uma esperança, ou pelo menos um futuro. (Disse Francis Bacon que a esperança é um bom pequeno-almoço mas uma fraca ceia.) Este optimismo advém da névoa, do seu elemento de prece, em particular se forem horas do pequeno-almoço. Em dias como esses, a cidade adquire de facto um aspecto de porcelana, com todas as suas cúpulas revestidas de zinco a lembrar bules ou chávenas viradas ao contrário, e o perfil oblíquo dos campanários a retinir como um molho de colheres abandonadas e a esfumar-se no céu. Isto para já não falar das gaivotas e dos pombos, ora de contornos nítidos, ora a dissolver-se no ar.

Joseph Brodsky, Marca d'água



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