Entre um instante e outro, entre o passado e o
futuro, a vaguidão branca do intervalo. Vazio como a distância de um minuto a
outro no círculo do relógio. O fundo dos acontecimentos erguendo-se calado e
morto, um pouco da eternidade.
Apenas um segundo quieto talvez separando um trecho
da vida ao seguinte. Nem um segundo, não pôde contá-lo em tempo, porém longo
como uma linha reta infinita. Profundo, vindo de longe — um pássaro negro, um
ponto crescendo do horizonte, aproximando-se da consciência como uma bola
arremessada do fim para o princípio. E explodindo diante dos olhos perplexos em
essência de silêncio. Deixando depois de si o intervalo perfeito como um único som
vibrando no ar. Renascer depois, guardar a memória estranha do intervalo, sem
saber como misturá-lo à vida. Carregar para sempre o pequeno ponto
vazio — deslumbrado e virgem, demasiado fugaz para se deixar desvendar.
Joana
sentiu-o enquanto atravessava o pequeno jardim de Lídia, ignorando aonde iria,
sabendo apenas que deixava atrás de si tudo o que vivera. Quando fechou o
portãozinho, afastou-se de Lídia, de Otávio, e, de novo sozinha em si mesma,
caminhava.
Um
começo de tempestade acalmara e o ar fresco circulava docemente. Subiu de novo
o morro e seu coração ainda batia sem ritmo. Procurava a paz daqueles caminhos
àquela hora, entre a tarde e a noite, uma cigarra invisível sussurrando o mesmo
canto. Os velhos muros húmidos em ruína, invadidos de heras e trepadeiras
sensíveis ao vento. Parou e sem os seus passos ouvia o silêncio mover-se. Só
seu corpo perturbava aquela serenidade. Imaginava-a sem sua presença e
adivinhava a frescura que deveriam ter aquelas coisas mortas misturadas às
outras, fragilmente vivas como no início da criação.
As altas casas fechadas, recolhidas como torres. Chegava-se a
um dos casarões por uma longa rua sombria e quieta, o fim do mundo. Apenas
junto dele enxergava-se um declive, o nascimento de outra rua e compreendia-se
que não era o fim. O casarão baixo e largo, os vidros quebrados, as venezianas
cerradas, cobertas de poeira. Conhecia bem aquele jardim onde se misturavam
fofos tufos de erva, rosas vermelhas, velhas latas enferrujadas. Sob os
jasmineiros em flor encontraria os jornais desbotados, pedaços de madeira húmida
de antigos enxertos. Entre as árvores pesadas e envelhecidas os pardais e os
pombos beliscando desde sempre o chão. Um passarinho pousava do vôo, passeava
pelos arredores até sumir-se numa das moitas. O casarão orgulhoso e doce em
seus escombros. Morrer ali. Àquela casa só se podia chegar quando viesse o fim.
Morrer naquela terra húmida tão boa para receber um corpo morto. Mas não era
morte o que ela queria, tinha medo também.
Perto do coração selvagem, Clarice Lispector
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