27.5.17

Com calma, Excelência


- “Estar atento a ficções é um prazer que só aqueles que não têm inimigos nas proximidades podem usufruir.” 
- Como?
- Li isso num livro bom, tem de estar certo.
- Ter amigos por perto permite-nos ter acesso a ficções.
- Pois claro.
- Isso significa que quem tem inimigos nas proximidades está mais próximo da verdade. É isso, Excelência?
- Então é melhor ter inimigos, não, do que ter ficções?
- Olhando por esse prisma, talvez sim.
- Perto de quem está preparado para nos magoar, de quem nos inferniza, nos domina o pensamento, perto dessas pessoas, estaremos mais perto da verdade, é isso?
- Certo, e perto de quem nos ajuda, perto desses, estaremos no território da mentira.
- Exactamente.
- Em paz, portanto, estamos condenados à idiotia?
- Hmm, se calhar não, se calhar isso já é exagerar um bocado.
- É provável, sim. Pelo menos, em paz temos mais hipóteses de obter prazer.
- Isso sim, parece-me.
- E em guerra, o sofrimento.
- Exactamente.
- Portanto, o sofrimento aproxima-nos da verdade, não?
- Parece-me que sim.
- Ai, para que foi essa estalada?, foi muito violenta!
- Para aproximá-lo da verdade, meu caro. Não está a olhar para o mundo com outros olhos agora?
- De facto, sim, mas de um modo diferente daquele que por certo esperava, pois quase não vejo nada.
- (...)
- Agora já estou melhor, podemos avançar.
- Avançar rapidamente?
- Não, mais devagar, por favor.
- Ok. Portanto, vê Vossa Excelência que o prazer é associado a ficções, a mentiras.
- Logo, a verdade é sofrimento, isso?
- Mais ou menos, como está a sentir neste momento.
- A frase continua: “é um direito oferecido pela civilização pacífica.”
- Os bárbaros, esses sim, eram sábios, estavam próximos da verdade.
- Acha que sim, Excelência?
- Pois sim, pois claro.
- Queremos a civilização para nos rodearmos de mentiras e de amigos, eis em síntese.
- Vamos com calma, caro senhor, vamos com calma.



Sem comentários:

Enviar um comentário