Nesta relação, tem
que haver igualdade. É a minha condição. Homem, mulher. Míseros mortais que
tombam de cansaço à noite. É essa a nossa condição. Trabalhamos, caímos.
É preciso ainda ter
medo, é o outro que nos salva da imbecilidade. É preciso não fugir do medo.
A saída que possas ter ao medo não é grande coisa, chama-se envelhecer. Na tua
cabeça continuarás imortal, com tudo por fazer. Um dia ficarás doente – e
pronto, acabou. Ou então podes reconhecer a importância do medo, se a natureza
for piedosa.
Voltaste a casa,
roubaste. Quiseste impor ao outro as regras: só se sofrermos o mesmo podemos
estar juntos. Antes isso que uma vida passada a roubar e a enganar e a passear
altivez, a fazer de conta que é isso que queres para ti. É claro que antes de
enganares os outros, é a ti que enganas. Antes e depois, na contabilidade da
tua vida que mais importa. Homem, mulher. Desigualdade há sempre. Homem, homem.
Mulher, mulher. Cada ser funda a sua própria espécie. Não há igualdade.
Obtuso entras pelo
rancor adentro para provares a ti próprio que não és impotente. Sê-lo-ás sempre
se julgas que o amor salva. Não salva, é uma embriaguez ao início, até se
converter imperceptivelmente em convívio com a estranheza. Que começa em ti, e
só depois parecerá alastrar ao outro. O que é muito bom, se fores humilde e
recusares continuar a ser o quadrado exacto que agora és. Alguns raros ainda
vão fundo no amor. E depois redescobrem mundo além do que haviam idealizado.
Quiseste que o outro
passasse pelo mesmo que tu – mas não sabias que não sofremos o mesmo que os
outros, ainda que tenhamos atravessado por experiências análogas? No limite,
cada um lida sozinho com a sua dor. A dor é inevitavelmente incomunicável. Dor
só sentes a tua, e muito mal a sabes. As pessoas que amas ouvem-te, acreditam
em ti. Mas não a sabem, muito menos a sofrem por ti, nem poderiam fazê-lo, nem
tenhas a petulância ignara de lho exigires. Nunca estarás no mesmo plano que o
outro, deixa que te avise. Nunca deixarás de sofrer. Mas precisavas que o outro
sofresse para saberes que outros sofrem. É que nunca o outro te conseguirá
comprovar o seu sofrimento. O outro que parece chorar como tu nunca chorará
como tu choras. Ser mortal é sofrer, antes isso do que seres um deus a
preguiçar o seu tempo (o qual, de certo ponto de vista, nem existirá
verdadeiramente para ele).
Para além disso, não
há metade nenhuma que te falte. Tu és tudo na tua inexorável incompletude. Há
os outros com quem tens que te relacionar, conviver, ligar. Há também mundo a
construir, porque és humano, é essa a tua tarefa. Continuar, cuidar, fazer. Os
filhos provar-te-ão que nunca tiveram pais, serão o que necessariamente sempre
foram. A tua obra viverá para além do destino que lhe traçaste. Mas isso nem
importa para o caso. Faz-se, cuida-se, continua-se.
Não vale a pena
quereres compreender o outro, esse com quem vives os teus dias. Muito em ti e
no outro ainda te surpreenderá desconhecer, o que é muito bom. E é só, não
penses mais nisso. Avança.
Sem comentários:
Enviar um comentário