Neste dia, em Turim, Nietzsche viu um cavalo a ser violentamente chicoteado pelo cocheiro. Agarrou-se ao animal, chorando convulsivamente, porventura de modo a impedir que tal violência prosseguisse. Passou as duas semanas seguintes a dizer coisas sem sentido. Depois dessas duas semanas, da sua boca mais nenhuma palavra saiu, até a morte o ter levado em agosto de 1900. A sua última frase foi: «mãe, sou um estúpido». É este o ponto de partida de O cavalo de Turim de Béla Tarr. Recupero um post meu, escrito precisamente há um ano, sobre o filme.
O cavalo de Turim de Béla Tarr é um filme que nos esmaga.
Dificilmente podemos recobrar do abalo que vê-lo nos gera. É sublime, na
aceção de Edmund Burke. Um investimento forte na beleza da imagem e no
cinema de sequência. Uma câmara deferente, que acompanha com subtileza
os movimentos das personagens, do seu encerramento progressivo naquele
casebre; do seu, até, devir-animal. Apesar de comovente, e às vezes
mesmo pungente, é um filme que diz o que tem a dizer sem cedências
algumas, usando os planos longos e as câmaras fixas que entende usar. A
banda sonora empresta algum trágico àquelas existências, e a reiteração
dela diz-nos de um sofrimento constante, que lentamente lacera aquelas
vidas, sobretudo a da égua, também ela, como Nietzsche, aparentando uma
destituição subjetiva, exposta, como só, ao que sabemos, os humanos o
podem, ao absurdo da existência, remetida ao silêncio dos que não podem
ter voz. Artaud dizia escrever no lugar dos analfabetos, dos pobres.
Deleuze acrescenta: os escritores escrevem também no lugar dos animais. O
exílio a que são votados pai e filha revela, e é importante ressalvar, o
que é a lei natural - que gerara tamanha tempestade -, alheia ao
exercício ético e, por extensão, ao julgamento moral. Talvez a filha
seja, em termos estritamente nietzschianos, a única personagem fraca,
pois vai-se apiedando da égua, humanizando-a, facto que sobremaneira
reforça a nossa crença nas virtudes da linguagem verbal que, citando
Bataille, não passa de comunicação fraca. Claro que tudo isto é
conversa, em face deste filme forte, que reivindica uma linguagem
cinematográfica, feita de planos belos e de sequências, algumas de plano
fixo, outras não, e tendencialmente longas. Um filme que não vive do
texto - mas da imagem, ancorada na representação e no som. Tudo tornará
mais vívida a experiência de quem assiste ao filme. O que se consegue
com mais cinema e não menos, como Rudolf Arnheim, nos idos anos 30 do
século passado, afirmou.
Sem comentários:
Enviar um comentário