1. Jenny Hval
Innocence is kinky é um álbum raro: atravessa o continente negro que habita em cada
europeu, evoca a tragédia perpetrada por Anders Breivik, deixa-se obcecar pelo vídeo porno de
Paris Hilton, apaixonar pela hierática Renée Falconetti de La Passion de Jeanne d'Arc de Carl Dreyer,
interpela um conceito de Roland Barthes, le mort de l'Auteur, e ainda questiona
as representações do corpo, ou do Corpo, ou do corpo como imagem.
2. Inflexão política: Gonçalo M. Tavares
«Andar por muitas zonas de muitas cidades do país é andar por
muito nada, por muito vazio: aqui em tempos havia lojas, ali pessoas. Não
estamos ainda diante das velhas cidades fantasma, mas em certas ruas a sensação
é de intranquilidade e de uma espécie de entrada em mundo zombie.
Sensação de evaporação de matérias sólidas, magia negra e má: onde antes havia
objectos agora há nada, no trajecto em que nos cruzávamos com mil pessoas agora
cruzamo-nos com dez. Como se as pessoas se tivessem evaporado. A evaporação
destes materiais sólidos a que vulgarmente chamamos «seres humanos» – essa evaporação,
processo a que vulgarmente se chama emigração – é aquilo a que se chama
violência não explícita. Mas violência, enorme violência, lenta mas séria
violência.» (in Notícias Magazine de
21 de julho, p. 82)
3. Luís Quintais & Slavoj Žižek
Não posso deixar de articular o que diz Tavares com o
que Luís Quintais escreve aqui. Assistimos ao esboroamento de um mundo,
contemplamos as suas ruínas. No entanto, introduzo uma ressalva-Žižek: não
podemos ingenuamente acreditar viver num mundo pós-industrial (não que esteja
eu a insinuar que Luís Quintais o faz). Portanto, não estaremos a fazer um trabalho de luto, antes a melancolicamente lamentar o que se afastou, mas continua vivo. A questão é que aquele excesso
que não encaixa na nossa realidade diária, que não toleramos – condições
desumanas de trabalho, rendimentos baixos, a classe operária – foi atirada para longe
dos nossos olhos (China, Índia, Brasil, Indonésia…): «o trabalho em si (o
trabalho manual em contraposição à actividade «simbólica»), e não o sexo, se
tornou o lugar da indecência obscena que é preciso esconder do olhar do público.»
(In Lacrimae Rerum, p. 180)
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