4.2.13

Tédio


Ouvia muito Chopin no final da adolescência. Não sei se sucede a outros, é possível que sim. Ouvia-o sobretudo quando sentia o tédio como um bloco denso que reduzia a minha existência a um caco. Por esses dias, a leitura de Bernardo Soares, a de Álvaro de Campos e a de Pessoa eram obsessivas. Já sabia, pelo mesmo Pessoa, que o tédio, o otium, era o tempo em que a arte era possível, embora isto não me importasse tanto, porque pouco escrevia. Nem era propriamente trespassado pela lancinante consciência da passagem do tempo, talvez por ser cedo para tal ou por ter sido na época mais estóico do que alguma vez fui, revelando por isso a incapacidade, que hoje malogradamente me sobeja, de fruir do tédio. Muito menos o concebia como o último estádio do progresso, como o escreveu recentemente Gonçalo M. Tavares. Acreditava, hoje menos, que esse tédio defluía da alienação que apenas sobre mim se abatia, por ser inabilitado para a vida ou por ter cometido qualquer pecado. Sentia que a desvinculação social era um pecado, o meu dever moral era estar dentro da comunidade, aceitá-la como ela é, as pessoas como elas são, eu como sou, etc.. Sentir tédio, para mim, era já não acreditar. Era também um encontro forçado comigo mesmo, com o outro em mim de quem jamais possuiria - ou possuirei - forma alguma, e não apenas o momento em que o mundo simbólico ostensivamente se revelava absurdo ou, quando menos, arbitrário. Mais tarde, em Ingmar Bergman - sobretudo no excruciante Lágrimas e Suspiros - reencontraria não só Chopin como o próprio tédio.