19.1.12

Frase inconveniente

«Um homem de letras pode ter uma amante que faça livros; mas precisa que a sua mulher faça camisas.» São palavras de Diderot, em Jacques, o fatalista, e o seu amo. A verdade da frase hoje é questionável. Contudo, uma evidência deflui dela, pelo menos, e parece-me empiricamente inegável: que toda a mulher de um homem de letras precisa de fazer alguma coisa necessariamente prática para ele. E sei que, apesar das Judith Butler deste mundo não abundarem, elas existem. E que esse direito que assiste às mulheres é um bem que é dado aos homens. Lembro-me de o professor Lindeza Diogo nos dizer que a gente de letras não raro está despreparada para o que for. É este ponto que me interessa, apenas. Todos sabemos bem até onde poderá levar nas letras a alma de merceeiro. Assim: o homem das letras não é um homem de letras; a mulher de um homem das letras precisará ou não de fazer camisas. E cada um cultivará amor erudito clandestino pelas razões que entenda: pela vontade de aprender, pelo diálogo frutuoso ou por outra qualquer. Sabendo de antemão o homem de letras que de amantes cultas não precisa.

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