7.5.11

Rui Pires Cabral & A Naifa

Skipping


Na estrada mal alcatroada
do subúrbio
onde havia fábricas e o dia
era um tormento

Quando a luz veio
nos postigos e o teu corpo
não me serviu de resgate

Tudo perdido em favor
das grandes rodas
da angústia no autocarro


-->

Em primeiro lugar, o título do poema – a deambular. Uma estrada mal acaltroada – como podemos definir este verso? A poesia de Cesário integrava palavras não tão comuns da poesia (prosaísmo) Ora, o mesmo se passa na Naifa. Para além disso, o que motiva a poesia é o quotidiano, o dia-a-dia. O sujeito deambula por um espaço urbano. O gosto pelo quotidiano, pelo moderno, pelos ritmos da cidade, pela deambulação, que suscitam reflexão e introspecção da parte do sujeito  – a poetização do banal; a deambulação, o interesse pelo quotidiano, a associação da cidade a um espaço de asfixia, em que não há margem para o desejo. Um sujeito deambula pela cidade e indica-nos o que vê e sente. Vê-se até a relação do autor com o desenvolvimento. As pessoas no autocarro sentem angústia, estão presas nas rodas do tempo, do quotidiano, das rotinas... e isso causa angústia. Por isso não há desejo – o corpo de outro não apaga esta angústia – estamos presos a um ritmo que não nos deixa desejar, sentir. O corpo do outro não nos resgata; o subúrbio e as rotinas à vivência nele levam à letargia, à suspensão do desejo. Exprime-se aqui de forma mais elíptica e poética – poesia menos narrativa do que a de Joaquim Manuel Magalhães – a desumanização inerente à modernidade. Mais uma vez um sujeito permeável ao que o envolve, de certa forma sincero e com vontade de transmitir o que sente a partir do que vê. Reconhecemos aqui um mundo que nos é familiar. Na estrada mal acaltroada (subdesenvolvimento, inadaptação à modernidade, o subúrbio é constituído pelos que fogem do campo), o que acontece é a existência de fábricas e o ser o dia um tormento. Defrauda-se uma narrativa que se pressentia na expressão temporal. Da mesma forma a vinda da luz parece inesperada ou, quando menos, pouco frequente. Deslize do significante: as rodas são as da angústia (por isso já mecanizada, previsível), as do autocarro (o transporte público como angústia e índice de classe). Com os sons (repetitivos, maquinais) da música acrescem as rodas do tempo, a circularidade mecânica e angustiante do tempo.



Sem comentários:

Enviar um comentário