30.5.11

Asterios


A vida de Asterios Polyp vai do desejo indomável de saber, de competir intelectualmente com os demais, à suspensão desse desejo. O encontro pleno com o outro dá-se aqui, pela renúncia. O trágico do romance gráfico reside no seguinte: a castração ocorre depois de se aceitar a renúncia. Asterios perde um olho depois de decidir reencontrar a sua ex-mulher e não antes de isso haver acontecido. Ele não regressa por se sentir culpado, mas porque aprendeu a renunciar - a deixar o mundo acariciá-lo. Também ele sabe que é na paz entediante de Penélope (aqui Hana) que a vida ganha sentido. Ulisses soube-o sempre; Asterios, não. O outro lado: abdicar do intelecto, e do absurdo de uma vida a ele votada, é castrador.
Há vários motivos de interesse a nível gráfico. Saliento três. 

Quando Asterios discute com a mulher torna-se um azul geométrico e cubista, o que é outro nome para uma razão sem corpo e cruel (porque indiferente). Hana torna-se vermelha (ela é uma mulher demasiado ternurenta e, apesar do génio, mais preocupada com olhar o outro nos olhos do que com a sua escultura).




Um dos capítulos da obra pretende caracterizar o aborrecimento da rotina. Para isso recorre-se apenas a elementos gráficos, aos recursos desta arte. Vinhetas de tamanho variável, decompondo a horizontalidade da tira, sem alguma fala, contribuem para se acentuar a monotonia das acções que repetimos, e que nos angustiam. Dias há em que parece que apenas essas situações teremos a contar: o corpo, os seus fluxos, o que o corpo gasta, o ciclo menstrual, a repetição e o maquínico. É essa repetição, essa melancolia, que define as relações. E neste ponto devo citar Robin Williams, no filme de Gus van Sant, Good Will Hunting. Quando o psicólogo quer demonstrar ao aluno a importância de estar com outra pessoa, menciona o facto de conhecermos a parte do outro que mais ninguém conhece (e, igualmente, damos a conhecer ao outro o que mais ninguém conhece sobre nós). E conta um episódio: a sua mulher acordava às vezes durante a noite com a própria flatulência. Isto é que é «good stuff»: aceder ao íntimo possível. Nesta BD, a aproximação ao íntimo, o close-up, é feita sobriamente, ao longo de pranchas, e com ela capta-se o essencial da partilha do tempo: o silêncio.




Mais tarde, quando reencontra a ex-mulher, os balões enlaçam-se: o amor acontece pelo discurso, a forma é o conteúdo, nem precisávamos das palavras para nada.





Oculto mais pormenores assaz deliciosos como estes e recomendo parte das vossas horas à descoberta da magnus opusaté ao momento, de David Mazzuchelli, a qual já recebeu um sem-número de prémios.


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