28.7.10

O amor de Fedra


Que frase poderosa. A imagem é incrivelmente sensorial (os cheiros evocados são agradáveis; criam em nós, quando os experimentamos, boas expectativas). «Sempre suspeitei que o mundo não cheirava a tinta fresca e a flores» (Sarah Kane, in Fedra). É claro que não cheira — apenas. Mas em Kane o facto de o mundo não cheirar deste modo arrasta-a irreversivelmente para o desespero. O que parece demonstrar que esta suspeita é lúcida e desencantada, pois esconde o desejo de que as coisas não fossem assim, registam até a crença de que o mundo ainda pode cheirar a tinta fresca e a flores. Como se Kane escondesse uma outra suspeita, a de que estava errada, a de que a sua lucidez é um equívoco.  Oxalá esteja enganada, oxalá o mundo cheire a tinta fresca e a flores. Depois do desespero ainda há vida, há vida num mundo que não cheira a tinta fresca e a flores.



Sem comentários:

Enviar um comentário