Medeia: filme sobre a impossibilidade cinematográfica de Medeia, do horror de Medeia.
Uma frase: tudo é santo, tudo é santo. Dita pelo centauro: o horror no destino das metades, na mistura e no crime que elas evidenciam.
Se o natural é natural, o cultural, cultural, etc., começamos a pôr o mundo no aquário. O mundo resume-se a catálogo de itens nomeáveis. Perdemos espontaneidade; depois, vontade de viver.
Tudo é novo – este é um filme sobretudo acerca da exuberância quente de montes, desertos e céus. Ir para um lado e fazer, amar: ser grego. Exterior e silêncio.
Centauro, deserto, Medeia.
O tempo avança com a tensão do horror – quando? Mais rápido, mais lento? Um desvio?
Mas há um recolhimento dos corpos que não é comum em Pasolini; corpos, amores e destinos frios. Mais do que incomum, é mesmo violento. Meio-Pasolini, na verdade, dele não esperamos contenção, a menos que ela anuncie o tremendo. Contida é Medeia, ou melhor, introspectiva, tensa, antes de desbordar, apaixonada. Callas encarna tal recolhimento, pois, na perfeição: o sublime é aquela intimidade feita de dor voraz e consciente. A diva, oriunda do meio rural, torna-se famosa e perfeita devido àquele barbarismo calculado.
(A violência em Salò é sublime, porém exterioriza-se, talvez demasiado, até ao denunciado absurdo fascista – o inferno é um dispositivo frio. Funciona a aprendizagem. “As maneiras: sim, sim”, Robert Walser. Disponibilidade absoluta para obedecer.)
Em Corinto, já não há mundo disponível, mas as muralhas que dispõem o que está por detrás, algo tão estranho ao mundo grego. Anúncio do globo fechado, romano, dos homens em pantufas, da intimidade silenciada.
Medeia: meia-lua, sol alto do meio-dia, pira acesa.
Medeia premedita o crime, que vê em sonhos.
Meio-dia.
Medicina.
Meditar.
O que medita ascende nela.
O prazer mais alto: superar a dor mais alta, perder os filhos, o marido para outra.
Renovar a procriação. Um prazer acima do tédio vital, do asco ejaculante.
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