18.9.25

Velocidades diferentes

O supremacismo de Israel realiza aquilo que a extrema-direita imputa aos imigrantes (muitos deles árabes) no Ocidente. De acordo com a propaganda abjecta da extrema-direita europeia, os imigrantes beneficiam de elevados subsídios, apartamentos e outros bens oferecidos pelos Estados europeus. Ora, um imigrante americano ou europeu que adira ao sionismo sabe que não precisará de grande esforço para despossuir os palestinianos da sua terra, da sua casa e de outros recursos. Basta o assédio, a ameaça, a vandalização de propriedade, a agressão, o assassinato — com armas fornecidas pelo Estado de Israel. Imputa-se de algum modo aos imigrantes que vivem nas sociedades europeias as acções que os ocidentais realizam na Palestina. Território onde se operacionaliza um programa humanista que visa destruir e reconverter civilizações consideradas inferiores. Ao mesmo tempo, fomenta-se e normaliza-se a arabofobia, a islamofobia e o racismo, em geral, por cá, com base nos mesmos pressupostos políticos e metafísicos. De outro modo, retomando um argumento de Enzo Traverso, predomina uma visão conservadora segundo a qual o Ocidente estaria sob ameaça do Islamismo, o que legitimaria os actos mais hediondos. Daí que os partidos de extrema-direita europeus estejam do lado de Israel. A social-democracia europeia ainda está dividida quanto a reconhecer a existência de um projecto colonial israelita que provoca todo o tipo de violência e fanatismos. Israel é o resultado do processo de secularização do sionismo, um nacionalismo estatal que opera a limpeza étnica e o genocídio desde 1947 e que conta com o apoio financeiro e o entusiasmo de inúmeros cristãos evangélicos do Ocidente justamente porque se permite pôr em prática a purificação étnica da Terra Sagrada. Por isso, o que verdadeiramente deveria ser discutido é o processo de descolonização da Palestina e não a questão dos dois Estados. A garantia de que há direitos iguais para todos, o fim do apartheid, o fim do rogue state de Israel. Seja como for, é ridículo que se continue a afastar autoridades palestinianas da liderança da negociação do futuro naquele território. Enquanto a opinião pública internacional se vai lentamente ilustrando para pressionar o poder político (o que move os políticos são apenas as suas carreiras e a imagem pública), em Gaza milhares de inocentes são chacinados sem parar. Velocidades diferentes que permitem a expansão do horror.

12.9.25

A grande farsa

 

Limpeza étnica, pogroms, Lebensraum, genocídio (a 11/09, 72 palestinianos mortos em Gaza, 9 mortos a pedir comida, 7 mortes por fome e má nutrição). 'Presos', referem os jornais, jamais 'reféns' (culpados, pois, por não quererem ver destruídos ou alienados os seus bens, nem mortos os seus familiares e amigos). Marcha pelas estradas de Tulkarm de mais ou menos 100 homens para condenação geral, para serem humilhados. À volta de 1500 palestinianos feitos reféns por Israel ontem em toda a Cisjordânia. Por cá sem manchetes, sem notícias, em suposta democracia.

Adenda, Basel Adra e família em risco, entre tantos outros palestinianos:


2.9.25

Os índios de Israel

A causa palestiniana é antes de mais a das injustiças que esse povo sofreu e continua a sofrer. Essas injustiças são actos de violência, mas também ilogismos, falsos raciocínios, falsas garantias que dizem compensá-las ou justificá-las.
(...) De uma ponta à outra, trata-se de actuar como se o povo palestiniano não só não devesse existir, mas como se nunca tivesse existido.
Os conquistadores estavam entre aqueles que sofreram o maior genocídio da história. Os sionistas fizeram desse genocídio um mal absoluto. Mas transformar o maior genocídio da história num mal absoluto é uma visão religiosa e mística, não uma visão histórica. Ela não detém o mal; pelo contrário, propaga-o, faz com que ele incida sobre outros inocentes, exige uma reparação que faz os outros sofrerem um pouco daquilo que os judeus sofreram (expulsão, guetos, desaparecimento como povo). Com meios mais "frios" que o genocídio, pretende-se alcançar o mesmo resultado.
Os EUA e a Europa deviam aos judeus uma reparação. E fizeram com que essa reparação fosse paga por um povo que não tinha nada a ver com ela, singularmente inocente de qualquer holocausto e que nem sequer tinha ouvido falar dele. Aqui começa o grotesco, assim como a violência. O sionismo, e depois o estado de Israel, exigiram reconhecimento jurídico aos palestinianos. Mas ele, o Estado de Israel, nunca parou de negar a existência de um povo palestiniano. Nunca se fala de palestinianos, mas de árabes da Palestina, como se estivessem lá por acaso ou por engano. Depois finge-se que os palestinianos expulsos vinham de outro lugar, nunca se mencionará a primeira guerra de resistência que lutaram completamente sós. Faz-se deles descendentes de Hitler, já que não reconhecem a Israel o seu direito. Mas Israel reserva-se o direito de negar a existência deles. É aqui que começa uma ficção que a cada vez se difundirá mais e que pesará sobre todos aqueles que defendiam a causa palestiniana. Esta ficção, a aposta de Israel, era fazer com que qualquer um que desafiasse os factos e as acções do Estado sionista parecesse anti-semita. A fonte desta operação foi a fria política de Israel para com os palestinianos.
Desde o início, Israel nunca escondeu o seu objectivo: esvaziar o território palestiniano. Melhor ainda, actuar como se o território palestiniano estivesse vazio, destinado sempre aos sionistas. Era uma colonização, mas não no sentido europeu do século XIX: não se pretendia explorar os nativos, mas expulsá-los. Aqueles que resistissem a sair não se converteriam em mão-de-obra dependente do território, mas sim mão-de-obra errante e desenraizada, como se fossem imigrantes colocados no gueto. Tratava-se desde o princípio de ocupar terras como se estivessem desertas ou se pudessem esvaziar. É um genocídio, mas o extermínio físico está subordinado neste caso à evacuação geográfica: sendo árabes em geral, os palestinianos sobreviventes devem fundir-se com o resto dos árabes. O extermínio físico, confiado ou não a mercenários, não deixa de estar presente. Mas não é genocídio, dizem, já que não é a "solução final": de facto, é um meio entre outros. A cumplicidade dos Estados Unidos com Israel não procede unicamente do poder de um lobby sionista. Elias Sanbar mostrou perfeitamente como os Estados Unidos encontraram em Israel um aspecto da sua história: o extermínio dos índios que, também neste caso, só em parte foi directamente físico. Tratava-se de esvaziar, de actuar como se nunca tivessem existido índios a não ser em guetos, o que faria deles outros tantos imigrantes por lá. De muitas maneiras os palestinianos são os novos índios, os índios de Israel. A análise marxista identifica estes dois movimentos complementares do capitalismo: impor constantemente limites, dentro dos quais constrói e opera o seu próprio sistema; deslocar para cada vez mais longe esses limites, ultrapassá-los para voltar a empreender, a maior escala ou maior intensidade, a sua própria fundação. Deslocar os limites foi a acção do capitalismo americano, do sonho americano, que foi recuperado por Israel e pelo sonho da Grande Israel em território árabe e à custa dos árabes. (...)

Gilles Deleuze, «A grandeza de Yasser Arafat» (1983), Dois regimes de loucos

O termo 'índio' mantém-se para dar conta da prepotência e da ignorância dos colonizadores que assim designaram os povos nativos americanos. Desde que se difundiu mediaticamente o termo 'terrorista', especialmente após o 11 de setembro, pôde o Estado cumprir sem mais disfarces o papel de mercenário, sem tanta necessidade de células paramilitares (que persistem na Cisjordânia). Há claramente um acelerar do genocídio que suplanta a limpeza étnica. Encontra-se hoje no alastrar da extrema-direita o contexto adequado para a normalização do genocídio e, além disso, para a sua denegação.

30.8.25

Hind Rajab

Hind Rajab. Evoco o nome e o rosto para evitar o silenciamento de tanta morte, esse apaziguamento calculado por estratégia económica e de carreira, modo discreto de prosseguir séculos de Censura em pouco mais de 500 anos de imprensa em Portugal. Não é um problema apenas português, pois a vassalagem ao poder americano é extensiva a toda a Europa (ainda que Espanha, Eslovénia, Eslováquia e Irlanda, ocasionalmente, se lhe oponham). Esta circunstância permite também perspectivar a crise global do jornalismo que, tal como os governos, se encontra refém da agenda supremacista da extrema-direita. Seria preciso fazer a devida vénia aos exemplos de coragem que vêm de Gaza, com, à data, desde 7 de outubro de 2023, 270 jornalistas assassinados pelo seu ofício em nome da liberdade. Os mesmos a quem, por estes lados, num viés racista que contribui ainda mais para desumanizar o povo palestiniano, se atribui pouca credibilidade.

Hind Rajab é o nome de uma menina de cinco anos que fugiu de carro, em Gaza, com a família, no dia 29 de janeiro de 2024. O IDF havia dado ordem de evacuação aos habitantes do bairro Tel al-Hawa. Nem dez minutos depois da saída de casa, a fuga é bloqueada por um tanque israelita. Uma prima de Hind faz uma chamada de telemóvel para o Crescente Vermelho (equivalente da Cruz Vermelha) e pede ajuda. Nas gravações da conversa telefónica, durante seis segundos escutam-se 64 tiros de metralhadora. Pesquisas da Forensic Architecture mostram consistência entre os orifícios provocados pelas balas no carro e as armas dos tanques israelitas. A família da menina é executada; Hind Rajab é a única sobrevivente e mantém-se no assento de trás da viatura. Atende a chamada de uma operadora do Crescente Vermelho que, entretanto, procura pôr-se a par dos acontecimentos. Falam mais do que uma vez durante vários minutos e Hind pede ajuda: está fechada no carro com os corpos mortos da sua família, dois adultos e quatro crianças. A gravação de uma conversa em que Hind pede que a vão buscar e só obtém silêncio, é atroz, expõe a operadora a uma impotência ainda mais escandalosa quando confrontada com o exercício arbitrário de poder que, desde logo por sê-lo, é destituído de qualquer empatia. Após longa espera de autorização israelita, é enviada uma ambulância ao local, cerca de 9 horas depois. Quase duas semanas depois, a 10 de fevereiro, os paramédicos são encontrados mortos (a ambulância explodiu com um projéctil israelita) e a própria Hind, dentro do carro. O IDF tinha conhecimento, como se infere, de que a ajuda médica iria até ao local. Investigações da Sky News e do Washington Post confirmam presença militar israelita naquela zona à hora do massacre. As perícias da Forensic Architecture contabilizaram um total de 335 tiros cravados no carro desta família em fuga. Serão decerto estas pessoas contabilizadas como baixas terroristas nalgum relatório de sintaxe funcional para justificar guerras ao terror e, ipso facto, garantir novos financiamentos para esse efeito da parte das assim chamadas democracias ocidentais.

Esta carnificina motivou a criação do filme The Voice of Hind Rajab da realizadora tunisina Kaouther Ben Hania, com apoio à produção de, entre outros, Brad Pitt e Joaquin Phoenix. Estreará no Festival de Veneza que decorre por estes dias.

À parte as opções da cineasta, a História é isto, ceifar de modo inapelável vários anjos, como Hind, em face do triunfalismo dos vencedores. É por isso crucial desviar o olhar ainda que sempre no-lo desejem dirigir, falar num outro tom, destutelar-se de qualquer intenção humanista para continuar o grito de quem sofre, para lhe dar forma. Esse será um dos desígnios da Hind Rajab Foundation entretanto constituída.




Força e linguagem

Relembrar aquele que foi sarcasticamente designado como o juiz de mesinha de cabeceira nazi, Carl Schmitt, e o terrível conceito de “guerra justa”, que ele, entre outros, desenvolveu nos anos 40 do século passado — “o ensino da guerra justa anula a distinção entre inimigo e criminoso. O vencedor na guerra justa elege-se a si mesmo como um juiz diante do criminoso.” O juiz, ou seja, o vencedor da “guerra justa”, escreve Carl Schmitt, não se deve comover; e quem perde a guerra comete um crime que, no momento da derrota, lhe é atribuído em definitivo. Neste mundo perverso, os soldados que perdem deixam de ser soldados e passam a ser delinquentes comuns. Um salto que parece pequeno e quase insignificante, mas que é tremendo.
Carl Schmitt, aliás, no mesmo apontamento de 1947, troça da ideia de que quem escreve possa traçar os limites morais de quem triunfou na guerra. Schmitt cita um rei prussiano que afirmava, com a típica ironia dos vencedores: dizem que “o vencedor não pode” decidir o que faz do vencido, mas “quem escreve livros sim, pode decidir o que o vencedor deve fazer ao vencido.” Como se fosse ridículo, o vencedor pela força obedecer aos conselhos dos puros observadores que apenas escrevem ou discursam. De facto, para os reis da Prússia e para Carl Schmitt, o vencedor só não era surdo se quisesse. O vencedor fala o quer, ouve o que quer.
No fundo, sempre isto. Em 1848, em 1947 ou em 2022. A força só escuta palavras de contenção por vontade própria. A força do vencedor deve conter-se, todos o podemos dizer ou escrever, mas, no limite, só o vencedor pode decidir conter-se. Entre o dever moral e o poder do vencedor — eis o conflito. O vencedor deve, sim, tem mesmo uma enorme quantidade de deveres — as convenções de Genebra sobre a Guerra são disso um bom exemplo — mas só ele pode. Só mesmo ele pode.

Gonçalo M. Tavares, Expresso, «A força e a linguagem», 22.07.2022

28.8.25

A evidência

O problema é que, entre nós, como no seio de qualquer cultura que tenha sido vigiada por cinquenta anos de censura, a evidência não teve vida fácil.

Luís Mourão, Um romance de impoder. A paragem da História na ficção portuguesa contemporânea

Variações sobre a vergonha

A quem chamas mau? — Àquele que quer envergonhar sempre.
Que encontras de mais humano? — Poupar a vergonha a alguém.
Qual é a marca da liberdade realizada? — Não mais corar de si próprio.

Nietzsche, A gaia ciência

22.8.25

Férias ao sol

A cheap holiday in other people's misery! 
I don't wanna holiday in the sun 
I wanna go to new Belsen 
I wanna see some history 
'Cause now I got a reasonable economy


18.8.25

A disjunção emocional e a má-fé pela mão dos outros

E se me sentir novamente em condições na segunda-feira [para ir novamente como voluntária para o campo de concentração de Westerbork]? Nesse caso vou ter com o Neuberg e digo-lhe no meu jeito encantador — sim, sim, já estou a ver a cena, faço um sorriso com o meu novo dente de porcelana com uma pequena cercadura de ouro — «Doutor, venho cá para uma conversa entre amigos, olhe, as coisas estão neste pé e eu gostaria tanto de ir, acha que é sensato?» E já sei de antemão que ele vai dizer «sim», porque eu vou fazer com que ele diga sim, tão sugestivamente lhe vou fazer a pergunta. Vou fazer com que ele dê a resposta que deveras quero ouvir. É assim que as pessoas vivem, portanto. Utilizam os outros para se convencerem a si próprias de algo em que não acreditam no fundo do coração. Uma pessoa procura então nos outros um instrumento para abafar a própria voz interior. Escutasse cada um a sua voz interior um pouco mais, tentasse cada um deixar ressoar a voz dentro de si, e haveria muito menos caos.

Etty Hillesum, Diário. 1941-1943

17.8.25

Transcrição da utopia para a realidade técnica e operacional

O mesmo se aplicará à «libertação»: será que a libertação, sob todas as suas formas, não terá sido ao mesmo tempo a realização e o fim da liberdade? É este o grande problema da modernidade.
O destino negativo do movimento da modernidade inscreve-se no facto de que tudo quanto pertencia ao imaginário, ao sonho, ao ideal, à utopia, foi transcrito para a realidade técnica e operacional. Esta materialização de todos os desejos, esta hiper-realização de todas as possibilidades, é uma desalienação radical. A realização é incondicional, já não há linha de retaguarda do mundo, acabou-se o impossível, já não há transcendência onde nos refugiarmos. Acabou-se o homem alienado: há apenas um indivíduo inteiramente realizado — virtualmente, bem entendido. A dimensão virtual monopoliza hoje todas as retaguardas do mundo e contém o real por inteiro, expulsando qualquer alternativa imaginária. Ora, o real morre verdadeiramente a partir do momento em que o imaginário deixa de o fazer funcionar, soçobrando assim no virtual. O indivíduo torna-se finalmente idêntico a si mesmo — a promessa do Eu foi realizada. Realizou-se a profecia de toda a História moderna, a profecia de Hegel, de Marx, de Stirner, dos situacionistas: o fim do sujeito separado. Mas não se realizou para melhor, apenas para pior: do Outro ao próprio, da alienação à identificação; da mesma forma que a profecia nietzschiana da transvaloração dos valores se realizou para o pior, nessa passagem não para além mas aquém do bem e do mal.

Jean Baudrillard, O paroxista indiferente. Conversas com Philippe Petit

Em Westerbork

O Jopie sentado no urzal sob o grande céu estrelado numa conversa sobre a saudade: «Não tenho saudades, afinal de contas estou em casa.» Aprendi muita coisa nessa ocasião. Está-se «em casa». Sob um céu, uma pessoa está em casa. Em cada lugar deste mundo está-se «em casa», quando uma pessoa traz tudo consigo.
Muitas vezes senti-me, e ainda me sinto, como um navio que recolheu uma carga preciosa a bordo. Os cabos foram cortados e agora o navio navega plenamente livre e por todos os países levando consigo a carga preciosa.
Uma pessoa deve ser a sua própria pátria.

Etty Hillesum, Diário. 1941-1943

16.8.25

Dar mortos pela liberdade

«Morrer a ocidente.» Maria achava que nem isso. Morria-se mas era sem bússola, sem convicção — para aí, sim.
Morte por resignação e por arteirice do a mim não me enganas tu e do salve-se quem puder, pois em matéria de arriscar o Zé Povinho era todo manguitos. Revoluções poucas e só com dois ou três mortos para ilustrar. A Maria sabia, a Maria tinha feito contas. Ou antes, a Alexandra. A Alexandra é que apurara que em oito séculos de História o Zé Povinho do olho vivo tinha dado menos mortos pela liberdade do que uma pequena república da América Latina com cem anos de existência. E tudo porque nós cá por casa somos da arma do manguito, morrer, sim, mas devagar e cada qual na sua enxergazinha ainda que bem podrida.

José Cardoso Pires, Alexandra Alpha

15.8.25

Barcos e poder

A dada altura do Abecedário, Gilles Deleuze conta o episódio mais revolucionário que vivenciou. Não foi durante o maio de 1968, mesmo se ele trabalhou com doentes esquizofrénicos testando a arte como forma de auto-constituição e de expansão vital; não foi com os presidiários a quem ouviu e entrevistou com Michel Foucault. Gostaria de poder ler, um dia destes, a biografia cruzada de François Dosse (a Deleuze e Guattari) para compreender melhor todo aquele frenesim experimental.

O acontecimento mais revolucionário deu-se quando, devido às férias pagas, muitos franceses invadiram as praias até então de usufruto exclusivo dos burgueses (o filósofo não refere a data, é possível que tenha sido em 1936, por decisão de León Blum). Para a família de Deleuze, como para outras, foi o terror ver operários e funcionários subitamente a ocuparem o mesmo espaço. Nunca tinham sentido tanto medo, viam os privilégios serem partilhados, quem sabe em risco. Era outra tomada da Bastilha, do gozo (incluindo o ócio, apesar de tudo).

Na Europa de 2025, sobretudo nos países do sul, não se vive igual terror quando imigrantes entram de barco e a burguesia — pequena, média, mental, o que for — assiste à entrada de barco de imigrantes de terras oprimidas e financeiramente colonizadas? Nós tínhamo-los numa redoma, mas eles, espevitados e arteiros, fazem-se ao caminho, arremetem contra a miséria que lhes impusemos. Atiram-se com tudo o que têm, o corpo e um saco de pertences, contra essa burocracia legal que os espolia com indiferença. É revolucionário e paradoxal ver este medo empreendedor, o lançar-se ao largo seja como for, dar o peito ao trabalho e ao desconhecido. Contávamos nós prosseguir nesta pasmaceira estéril e abonada, e não é que os esquecidos, os soterrados da História se levantam e entram, sem mais aquela, sem pedirem licença, em território europeu, nas terras do soberano que não está para exercer a hospitalidade, esse valor tão grego e tão cristão e que, por isso mesmo, não deveria parecer tão incompatível com os princípios ocidentais? Há uma diferença, porém: um terror que não chega por leis tranquilas, nem pelo consenso social que as motivou. Mas pelo desespero económico e pelo medo de morrer. É um terror, no que toca ao económico, não acomodado pelo direito, que por vontade ocidental se torna por isso a ele exposto (e a toda a violência que não assume letra de lei).

Ainda um aparte. Slavoj Zizek considera que a premonição de Jacques Lacan se confirmou. Para a expor, cito Luís Mourão, que a reeelabora a partir de Didier Eribon: “Em 1969, Foucault convida Lacan para uma série de conferências em Vincennes. Criada no rescaldo do Maio de 68 como experiência piloto de autonomia universitária, a Universidade de Vincennes é um lugar conturbado: confrontos sucessivos com o ministério, com as forças policiais, entre as várias facções extremistas. O psicanalista é mal recebido, a conferência é breve, apenas o suficiente para Lacan deixar uma das suas famosas «cartas roubadas» e abandonar a sala: «Aquilo a que vós aspirais como revolucionários, é a um mestre. Tê-lo-eis»”. Eis o que se verifica, uma realização perversa das velhas lutas pelos novos mestres: quis-se a abolição das restrições sexuais, conseguiu-se uma desvinculação praticamente absoluta, em que nos tornamos mónadas indecifráveis e distantes, tanto paralisados pelo pavor ao assédio, como armados de um formalismo que desvitaliza e desencanta qualquer encontro. Zizek dá ainda o exemplo de Elon Musk e dos seus 14 filhos de diferentes mulheres, um desbragamento não só elitista como falocêntrico. No plano do trabalho, pugnou-se pelo fim da alienação nas fábricas e conseguiu-se converter cada qual em empresário de si mesmo, livre para se poder explorar. Isto é, o trabalho deixa de ser alienante, nós é que nos impusemos a alienação por necessidade de sobrevivência. Por fim, exigiu-se um ensino menos teórico, mais adstrito aos problemas reais e concretos. Criaram-se cursos de 3 anos em que a submissão ao prático — um saber mais profissionalizante e outros slogans do mesmo jaez — é o principal factor de estupidificação geral na academia (como se a entrega ao entretenimento e ao consumo não fosse um dispositivo repressivo, jamais libertador) e de pórtico à tirania. Não estivéssemos na era da objetividade — 5 minutos para os judeus e 5 minutos para os nazis, sentenciou Godard — e talvez Adorno pudesse ainda ter algo a dizer. Cito um passo do fragmento 43 de Minima moralia, entre outros que evidenciam a esterilidade da reprodução mecânica do pensado, dispositivo evidente de poder: “Quem alguma vez, pela força da sua precisa reacção em face da seriedade da disciplina de uma obra artística, se submete à sua lei formal imanente, à coerção da sua configuração, vê desvanecer-se-lhe a prevenção do meramente subjectivo da sua experiência como uma mísera ilusão, e cada passo que dá, graças à sua inervação extremamente subjectiva, para se adentrar na obra, tem uma força objectiva incomparavelmente muito maior do que as grandes e consagradas conceptualizações acerca, por exemplo, do «estilo», cuja pretensão científica se impõe à custa de tal experiência. Isto é duplamente verdadeiro na era do positivismo e da indústria cultural, cuja objectividade é calculada pelos sujeitos que a organizam. Perante esta, a razão refugiou-se toda, e sem janelas, nas idiossincrasias, acusadas de arbitrariedade pela arbitrariedade dos poderosos, porque eles querem a impotência dos sujeitos, em virtude da angústia frente à objectividade que só em tais sujeitos se encontra preservada”. Diagnóstico pontualmente discutível, mas que, no seu todo, instiga uma compreensão das novas perversões, diversamente mascaradas, que aí vêm.

11.8.25

Vicariously I live while the whole world dies

Porque as músicas da nossa adolescência, e não só, nos perseguem, como os fantasmas do nosso desejo, algo que Mark Fisher poderia ter formulado. Elas eram um conhecimento teórico das coisas, prévio a uma vivência e a um entendimento mais empíricos.


Eye on the TV, 'cause tragedy thrills me
Whatever flavor it happens to be like
"Killed by the husband"
"Drowned by the ocean"
"Shot by his own son"
"She used the poison in his tea"
"Then kissed him goodbye"
That's my kind of story
It's no fun 'til someone dies

Don't look at me like I am a monster
Frown out your one face, but with the other
Stare like a junkie into the TV
Stare like a zombie while the mother holds her child
Watches him die
Hands to the sky crying, "Why, oh why?"

'Cause I need to watch things die
From a distance
Vicariously I live while the whole world dies
You all need it too, don't lie
Why can't we just admit it?
Why can't we just admit it?
We won't give pause until the blood is flowin'
Neither the brave nor bold
Nor brightest of stories told
We won't give pause until the blood is flowin'
I need to watch things die
From a good safe distance
Vicariously, I live while the whole world dies
You all feel the same, so
Why can't we just admit it?

Blood like rain come down
Drum on grave and ground
Part vampire, part warrior
Carnivore and voyeur
Stare at the transmittal
Sing to the death rattle

La-la, la-la, la, la, la-lie
La-la, la-la, la, la, la-lie
La-la, la-la, la, la, la-lie
La-la, la-la, la, la, la-lie

Credulous at best, your desire to believe in
Angels in the hearts of men
Pull your head on out your hippy haze and give a listen
Shouldn't have to say it all again
The universe is hostile, so impersonal
Devour to survive, so it is, so it's always been
We all feed on tragedy
It's like blood to a vampire
Vicariously, I live while the whole world dies
Much better you than I

10.8.25

O genocídio ao almoço

Nick Maynard, cirurgião do hospital universitário de Oxford, tem feito missões em Gaza desde 2010 no hospital Nasser, em Khan Younis. Entre cirurgias, contou ao Guardian que desde que os centros da GHF [Fundação Humanitária de Gaza] abriram só vê predominantemente ferimentos de bala, e as vítimas chegam nos dias em que há distribuição, entre 6 a 12 por dia, com os mesmos ferimentos - tiros no pescoço, cabeça ou braços. "Houve uma noite em que admitimos quatro adolescentes baleados nos testículos. Isto sugere uma atividade de tentar acertar em determinadas partes do corpo", conta.


Em toda a notícia, apesar do rigor, nunca se usa o termo 'genocídio'.

9.8.25

«Se Deus não ajudar, hei-de eu ajudar a Deus»

Entre 29 de Julho e 5 de Setembro, Etty provavelmente não manteve um diário. Houve uma precipitação dramática na sua biografia. Nesse período ela pede voluntariamente uma convocatória para Westerbork e parte para o campo. Porém, acontecimentos decisivos na vida dela foram certamente a doença e a morte súbita de S. No começo de Setembro de 1942, Etty obteve licença para regressar durante uns dias a Amesterdão. Chega doente. Neste último caderno conservado de Etty, ela descreve a morte de Spier, as saudades que sente de Westerbork e pedaços de recordações de pessoas e situações que havia deixado.

15 de Setembro de 1942. Terça-feira de manhã, às dez e meia.

Tudo junto afinal é capaz de ter sido um pouco de mais, meu Deus. Agora sou lembrada que uma pessoa também tem um corpo. Pensei que o meu espírito e o meu coração seriam incapazes de aguentar tudo, mas agora o meu corpo apresenta-se e diz: «Basta». E neste momento sinto a grande quantidade de coisas que me deste a suportar. Tanta coisa bonita e tanta coisa difícil. E assim que me mostrei pronta a suportar, o que era difícil transformou-se a cada volta em algo bonito. E o que era belo e grande era por vezes ainda mais difícil de tolerar que o sofrimento, de tão dominante que era. Como um só pequeno coração humano consegue passar por tantas experiências, meu Deus; como consegue sofrer e amar tanto. Estou-te muito agradecida, meu Deus, por teres escolhido especialmente o meu coração, nestes tempos que correm, por lhe ter sido dada a oportunidade de passar por tudo o que passou. Talvez seja bom eu ter adoecido, ainda não me conformei com este facto, ainda estou um bocadinho atordoada, à procura e desamparada, mas ao mesmo tempo tento reunir alguma paciência retirada aos poucos de todos os cantos do meu ser. Deverá ser um tipo completamente novo de paciência para uma situação completamente nova, assim o sinto. E hei-de seguir novamente o velho método conhecido e de vez em quando falar comigo mesma nestas linhas azuis. Conversar contigo, meu Deus. Isto está certo? Postas as pessoas de lado, só sinto necessidade de falar contigo. Gosto imenso das pessoas, porque em cada uma amo um pedaço de ti, meu Deus. Porém agora preciso de muito paciência, muita paciência e reflexão, vai ser muito difícil. E agora sou obrigada a fazer tudo sozinha. A melhor e mais nobre parte do meu amigo, do homem que te despertou em mim, já está contigo. O que restou foi um velho senil e mirrado, nos dois quartinhos onde eu vivi as minhas maiores e mais profundas alegrias. Estive à beira do leito e vi-me perante um dos teus últimos enigmas, meu Deus. Dá-me uma vida inteira para entender tudo.
Enquanto estou a escrever isto, sinto que é bom eu ter de ficar aqui. Vivi tão intensamente nos últimos meses que de repente me parece, vendo as coisas agora: nuns meses gastei as provisões para uma vida inteira. Talvez tenha sido demasiado temerária na minha vivência interior, de maneira que esta alagou todas as margens, ou não? Não fui demasiado temerária, se escuto este aviso teu.

Etty Hillesum, Diário. 1941-1943 (trad. Maria Leonor Raven-Gomes)

22.7.25

Soldados da morte e da vida

Em vida um homem é flexível e fraco.
Quando morre torna-se rígido e forte.
Em vida as ervas e as árvores são flexíveis e frágeis.
Quando morrem ficam secas e murchas.

Por isso
Quem é rígido e forte é um soldado da morte
Quem é flexível e fraco é um soldado da vida.

Assim,
Se um exército é forte, será destruído.
Se uma árvore é forte, quebrará.
O que é forte e grande ficará por baixo.
O que é flexível e fraco ficará por cima.

Lao Tse, Tao Te King. Livro do Caminho e do Bom Caminhar
traição de António Miguel de Campos

6.7.25

«O deserto tornou-se História / Térmitas escrevem-na / Com as suas tenazes / Na areia» (Peter Huchel)



Ânimo
Para Peter Huchel


Não te deixes endurecer
Neste tempo de dureza
Os duros hão-de quebrar
Os espinhos vão-te picar
Mas quebrarão com certeza

Vê se não ficas amargo
Neste tempo de amargor
Os poderosos também tremem
— quando outros nas prisões gemem —
Mas não com a tua dor

Não te deixes assustar
Neste tempo de terror
Só nos querem obrigar
A deixarmos de lutar
Antes da luta maior

Tu, não te deixes usar
Usa o teu tempo à vontade
Não podes desaparecer
Precisas de nós, e nós
Da tua serenidade

Não queremos ficar calados
Neste tempo de mudez
O verde irrompe nos prados
Vamos mostrá-lo a todos
Para que o saibam de vez

Wolf Biermann, Não esperes por melhores dias. Cantigas de escárnio, melancolia e maldizer
traição de João Barrento

O melhor intensificador da visão

Contra tanta imbecilidade e tantas ideias fanáticas, o sentimento confere profundidade e verdade ao argumento. Só um corpo que pensa pode chorar. Estas lágrimas são já um outro grau no discernimento. O caminho não é, pois, alcandorar o argumento ao absoluto nem à prepotência. Com sensibilidade, o lugar-menor da esquerda pode fazer falar todo o sofrimento, esse sofrimento que se multiplica, amordaça e rebaixa a cada intervenção desta direita extrema que predomina no parlamento. Pergunta-se Alexander Kluge: «Qual é o melhor intensificador da visão? O telescópio ou a lágrima?». A intervenção de Isabel Mendes Lopes revela como é possível ser-se mais clarividente, num contexto de letargia e colaboração institucional com a pulhice. Quando tudo foi roubado à esquerda — em especial uma certa rebeldia e descaro —, nada mais sobra do que decência e lágrimas, uma potência débil tão invisível como a que investe as personagens de Kafka.

2.7.25

Uma ocorrência da Natureza

Descida profunda. 15 metros, 20 metros, 30 metros, 35 metros. Era como se as montanhas do Colorado estivessem debaixo de água. Penhascos e ravinas, barrancos e vales. Peixes e plantas que Eloise nunca vira; os peixes que reconhecia eram enormes, atrevidos. Fez pontaria a uma garoupa-do-golfo, falhou, fez novamente pontaria e deu-lhe um tiro certeiro. Era tão grande que Juan a ajudou a carregá-la para a sua corda de pesca; a fricção da corda queimava-lhe os dedos. À sua volta, disparos e transporte de peixes em frenesi. Loras, pargos, charuteiros-catarinos. Sangre. Acertou numa merluza-negra e noutra garoupa-do-golfo, contente por não ter visto César, por estar por sua conta. Depois ficou assustada, mas viu-o muito ao longe e voou rapidamente na sua direcção através dos penhascos serrilhados. Ele deu às barbatanas, esperando por ela no escuro, e depois puxou-a para si. Abraçaram-se, com os reguladores a entrechocarem. Ela apercebeu-se nessa altura de que o pénis dele estava dentro dela; entrelaçou as pernas à volta dele enquanto giravam e ondulavam no mar escuro. Quando saiu de dentro dela, o seu esperma começou a vogar para cima, como se fosse uma pálida tinta de polvo.
Quando, mais tarde, Eloise pensou nisto, não foi como se recordasse uma pessoa ou um acto sexual, mas como se tivesse sido uma ocorrência da Natureza, um pequeno tremor de terra, uma rabanada de vento num dia de Verão.

Lucia Berlin, Manual para mulheres de limpeza

1.7.25

Pulsação e quietude

No quarto, voltou a olhar para o poema. Assim também toda a vida chega / ao lugar da sua quietude. Não. Seja como for, não é vida, a palavra é sangre, sangue, tudo o que pulsa e flui. A luz do candeeiro era demasiado fraca, os insectos iam contra o abat-jour. Quando apagou a sua luz, a música recomeçou no bar. A pancada insistente do baixo. A sua pulsação, pulsava. Sangre.
Tinha saudades da sua cama, firme, do embalar eficiente dos carros na via rápida ao longe. Aquilo de que sinto falta é das minhas palavras-cruzadas pela manhã. Oh, Mel, que fazer? Parar de dar aulas? Viajar? Fazer um doutoramento? Suicidar-me? De onde veio esse pensamento? Mas a minha vida é dar aulas. O que é patético. Menina Gore, chatice mor.

Lucia Berlin, Manual para mulheres de limpeza

«Quanto pó se acumula / no tecido nervoso de uma vida?» (Primo Levi)

A mulher está pendurada na janela do 13.º andar a chorar
a beleza perdida da sua própria vida. Vê o 
Sol a declinar a ocidente, sobre a superfície parda de Chicago.
Julga lembrar-se de ouvir a sua própria vida
a desprender-se, ao cair da janela do 13.º andar
na zona oriental de Chicago, ou ao trepar até
ao alto para se reaver a si mesma.

Joy Harjo, «A mulher pendurada na janela do décimo terceiro andar», Ela tinha alguns cavalos

9.6.25

Um paraíso para todos

Há coelhos que são despedaçados
debaixo de carros que circulam de noite
mas aparecem do outro 
lado sem pisaduras
respirando tranquilamente
como se imunes ao medo.

Joy Harjo, Ela tinha alguns cavalos [trad. Vasco Gato]

19.5.25

Era uma vez duas vezes

Habría una vez dos veces. Una se llamaba Una vez y la otra se llamaba Otra vez. Una y otra vez formaban la familia A veces, que vivía y comía de vez en vez.
Los grandes imperios dominantes eran Siempre y Nunca que, como es evidente, odiaban a muerte a la familia A veces. Ni Siempre ni Nunca toleraban que los A veces existieran. Siempre no podía permitir que Una vez viviera en su reino porque entonces Siempre dejaba de serlo, porque si ya hay una vez entonces ya no hay siempre. Nunca tampoco podía permitir que Otra vez apareciera otra vez en su reino porque Nunca no puede vivir con Una vez, y menos si esa vez es Otra vez. Pero Una vez y Otra vez se la pasaban molestando una y otra vez a Siempre y a Nunca. Y así fue hasta que Siempre las dejó en paz para siempre y Nunca nunca las volvió a molestar.
Y Una vez y Otra vez se la pasaron jugando una y otra vez. [...] Y así se la pasan felices de vez en vez, ya ves. Y siempre fueron Una y Otra vez y nunca dejaron de ser A veces. [...]
Moraleja 3: Los Siempre y los Nuncas los imponen los de arriba, pero abajo aparecen «los molestos» una y otra vez que, a veces, es otra forma de decir 'los diferentes' o de vez en vez, 'los rebeldes'.

Subcomandante Marcos

25.4.25

Cão raivoso



Mais vale ser um cão raivoso
Que uma sardinha
(Que uma sardinha)
Metida, entalada na lata
Educadinha
(Educadinha)
Pronta a ser comida, engolida, digerida
E cagadinha
Mais vale ser diferente da sardinha
Um cão raivoso que sabe onde ferra
Ferra fascistas e chama-lhe um figo
Olhos atentos e patas na terra