25.6.22

Um punhado de notas sobre a morte

Não creio que devamos romantizar o animal. Espécies comem as crias em períodos de escassez; não as alimentam quando nelas detetam uma deficiência. O animal é frio se as circunstâncias forem duras.

No entanto, uma profunda lassidão faz esquecer os instintos, os mais alegres. A vida e a moral sucumbem de diversas formas. Confiamos em instituições e ignoramos o corpo sábio (Jünger). Ainda que insuficientes, são eficazes em milhares de casos. Graças a elas, pelo menos, o trágico ainda tem a oportunidade de ser experienciado como tal.

Melancolia de Rimbaud: "Mas a visão da justiça é prazer que só a Deus pertence".

A cegueira exime decisões em causa própria, garante o processo; mas a tecnicidade jurídica invalida a sabedoria e até o mínimo bom-senso. Tornaram-se inúteis e ilegais. Não se deveria dispensar o "coração pensante" (Filomena Molder), cuja afinação é o efetivo exercício político. Verso importante, quando o discernimento geral são números: "A fome dos outros é o único real" (Grabato Dias).

Certos sintomas podem ser considerados ultrajantes, mas o quadro global é considerado certo e válido, e somos muito profissionais e queridos e sofisticados. Não há dinamite suficiente para sujeitos apessoados — para os ciclopes, as coisas estão bem, o mal identificado num certo bairro, na casa aquela. O mal será sempre posto de quarentena. Amanhã o dia continuará a solicitar o correto e a morte, não o moral, nem o ético. Foucault: "O homem de tropa é, antes de tudo, um fragmento do espaço móvel, antes de ser uma coragem ou uma honra". Frase terrível que, em síntese, explica uma terraplanagem axiológica.

Destruir o lugar, todos os lugares, com o seu pequeno inferno, o seu pequeno paraíso: "Tudo o que é verdadeiramente moral começa depois de a moral ser removida" (Cioran).

O rasto da existência que não funciona; até certo ponto, pois ainda vê e ouve e fala, ainda um pouco consome. Existência que nunca conheceu o seu drama e, no frente a frente com o tempo, sucumbiu terrivelmente. De uma ponta à outra, a renúncia ao mais íntimo, seja quando participa, ou apenas deve sobreviver.

"Não se pode começar frase nenhuma sem que te ponhas a olhar como se fosses ouvir a tua condenação" (Kafka). A dor enquanto delicadeza infernal e angélica. Impossível um grito.


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